
Se para muitos já é um incômodo grande o bastante ter lixo transbordando na lixeira da cozinha, apenas a ideia de conviver com um lixão aberto próximo da sua casa parece inadmissível. No entanto, essa é a realidade dos moradores do bairro Cristal, que diariamente precisam lidar com o terreno de propriedade do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), órgão da Prefeitura de Porto Alegre, na Rua Tamandaré, nº 1.020, que acumula entulhos e resíduos descartados irregularmente.
Moradores de um edifício residencial vizinho ao terreno do Demhab apontam que, além do descarte inadequado de lixos, também há registros de queimadas ilegais no local (de fios e pneus), presença de insetos (mosquitos e baratas) e ratos, odor forte, e indivíduos se reunindo para utilizar ilícitos e praticar atos sexuais, produzindo sons altos que podem ser ouvidos das residências.
Outro ponto mencionado por habitantes da região é a falta de acessibilidade, pois as calçadas estão, em grande parte, destruídas – o que sobra é um caminho de terra. “Eu considero um descaso, pois todo proprietário é obrigado a ter seu terreno calçado, mas a Prefeitura não precisa”, declarou Daniela Figueiredo, 52 anos, residente da Vila. O comentário faz referência ao fato de que a Prefeitura é a responsável pelo terreno “abandonado”.
A situação, que vem ocorrendo há mais de 15 anos, frequentemente gera reclamações ao Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU). Os moradores, que ligam para o 156 e abrem protocolos, afirmam que, em resposta é realizada uma “pseudo-limpeza”, sem grandes mudanças.
Para Gabriela Teixeira, 33 anos, há uma sensação constante de vulnerabilidade. “Precisamos ficar cobrando um serviço que todo mundo sabe que é necessário. O lixo precisa ser removido, mas eu não entendo por que sempre os moradores têm que correr atrás disso, sendo que o terreno é público. Se fosse um terreno residencial nessas condições, o proprietário certamente seria multado e advertido. Mas, aqui, nada acontece, o que é muito frustrante”, disse.
Ainda, a moradora das proximidades relatou uma situação que mostra o quão ruim é o estado do local: “Teve uma vez em que alguém jogou cerca de 20 frangos inteiros na calçada, provavelmente congelados e vencidos. Os bichos estavam se alimentando daquilo, e o cheiro de carne podre era insuportável, além de atrair muitas moscas”.
O “alguém” mencionado, que realizou o descarte incorreto, pode, ou não, ser residente da Rua Tamandaré. Os membros da comunidade, no geral, se reúnem para organizar a separação do lixo de suas moradias e os prédios possuem lixeiras próprias. O grande problema é a gestão do lixo.

Quando chove, os bueiros entopem e a rua constantemente alaga, deixando os resíduos boiando. Para aqueles que caminham por ali, há o risco de pisar em cacos de vidro, com a água (que chega aos joelhos) impedindo uma visão clara do chão. Nesses momentos, os habitantes precisam pensar duas vezes antes de sair de suas casas, pois podem não conseguir retornar tranquilamente. Essa mudança na rotina é uma dor de cabeça constante.
Uma preocupação mais específica mencionada é o acúmulo de água em objetos jogados na região, que podem ser a “casa” ideal para mosquitos-da-dengue. De qualquer forma, essa angústia não é sem fundamento. Segundo o Ministério de Saúde: “locais que acumulam água parada viram criadouros do mosquito que transmite a dengue, a chikungunya e a zika”. Leptospirose e a disseminação de viroses são citadas pelos moradores com certa aflição, também.
Conforme o relato de Gabriela Teixeira, a comunidade já tentou “pressionar as autoridades”, solicitando ao menos o aumento da segurança no local, mas não houve retornos. “Provavelmente somos ignorados porque não se trata de um lugar bonito, movimentado ou uma avenida grande. É apenas uma rua no meio do um bairro, como tantas outras que devem enfrentar problemas semelhantes”, complementa.
Em nota conjunta, o DMLU (encarregado pela limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos urbanos) e o DEMHAB (responsável pelo terreno mencionado ao longo do texto), informaram que: “A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos, por meio do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), esclarece que o entorno da área localizada na rua Tamandaré, próximo ao número 1020, é alvo de descarte irregular de resíduos, o que gera um foco crônico de lixo.
O terreno é próprio municipal e tem projeto de construção de moradias sociais, a ser licitado ainda em 2024, de acordo com os planos do Departamento Municipal de Habitação (Demhab).
O local é limpo três vezes por semana pelas equipes do DMLU, nas terças, quintas-feiras e sábados. A área é atendida normalmente pelas coletas regulares, tanto Domiciliar, para resíduos orgânicos e rejeito, quanto Seletiva, para recicláveis. O DMLU também disponibiliza as Unidades de Destino Certo (Ecoponto), para o descarte de materiais volumosos. Para quem tem dificuldade de deslocamento até uma das unidades, ainda há a opção de contratar o serviço de coleta especial, com o orçamento via sistema 156. Além disso, o Serviço de Fiscalização atua periodicamente na região, a fim de coibir infrações. Assim, solicitamos a colaboração de todos para a manutenção da limpeza urbana e denunciando o descarte irregular por meio do 156”.
Gabriela Teixeira, que tem acompanhado as repercussões sobre o estado do local, reitera a urgência do caso: “É revoltante ter que atravessar um túnel de lixo para chegar em casa, sofrendo com o descaso do poder público. […] Quando a chuva voltar, a rua vai alagar de novo, e as pessoas vão ter que atravessar com água no joelho, no meio do lixo, para entrar no beco, no túnel de lixo, até suas casas. Eles têm que juntar o lixo em sacolas para largar pelo caminho quando saem de casa. Não tem palavras para descrever o quão triste isso é”, aponta.
*Após a publicação da reportagem, o Demhab voltou a entrar em contato com o Sul21. Na atualização, acrescentaram informações sobre a situação atual do terreno mencionado no texto. Confira na íntegra: “O terreno é próprio municipal e tem cercamento feito e refeito ao longo dos anos, sofrendo com vandalismo e descarte irregular por parte da população local.
Há projeto de construção de moradias sociais, a ser licitado ainda em 2024, de acordo com os planos do Departamento Municipal de Habitação (Demhab).
Um edital de limpeza também está em elaboração para combater os efeitos do vandalismo e descarte irregular enquanto a construção no terreno não iniciar”.