Opinião
|
27 de agosto de 2024
|
15:12

A catástrofe não foi evitada. O que fazer? (por Vicente Rauber)

Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Vicente Rauber (*)

Porto Alegre possui o maior e melhor Sistema de Proteção contra Inundações entre todas as Capitais brasileiras. É amplo e robusto, protege a cidade até a cota de 6,0m; as águas de maio chegaram até a cota de 5,35m. É simples, fácil de operar e manter. Foi concebido por engenheiros alemães a serviço do DNOS e construído pelo DNOS, com dimensões, altura e robustez correta.

No entanto, Porto Alegre inundou como nunca, mais do que em 1941. Por que? O Sistema somente é eficaz se mantida a sua integridade de como foi concebido e construído. Ou seja, não pode ter diques degradados e rebaixados como no Sarandi, comportas precisam estar periodicamente revisadas e consertadas, Casas de Bombas precisam estar com todos os motores e comportas funcionando. Não bastaram muitos alertas e notificações. As manutenções necessárias simplesmente não existem mais desde 2020.

Em vez de reconhecimento dos erros cometidos, realizaram-se ataques e fakes. O mais recente fake é uma falsa versão do Relatório Holandês de que há erro estrutural de projeto e execução do Sistema e que a responsabilidade de manutenção é da União. O Relatório Holandês não aponta, e nem poderia, erro estrutural. A União cumpriu seu compromisso ao planejar e construir o Sistema. O Município não cumpriu sua obrigação Constitucional e legal em relação às atividades de Saneamento.

O que fazer imediatamente antes que ocorra nova inundação, o que dado o desequilíbrio ambiental, pode ocorrer a qualquer momento?

Fazer o que deixou de ser feito: recompor a integridade do Sistema. Refazer os diques do Sarandi (Arroios Passo das Pedras e Santo Agostinho) até a sua altura original de 6,5m. Revisar e consertar todas as 14 comportas externas e consertar o que for necessário; estas estruturas são aberturas no Sistema, permitindo o acesso ao Cais Mauá, ao próprio Rio/Lago Guaíba; ao Cais Navegantes, aos Clubes Náuticos e todas às atividades de Porto Alegre junto ao Rio Gravataí. Sempre reivindicou-se maior acesso; agora deseja-se eliminar oito(!) das 14 comportas como se fossem malditas! Que contrassenso!

As Casas de Bombas também não possuem erro de projeto, estão na altura certa. Desde 2014 possuem um plano para sua ampliação e modernização, que recebeu do Governo Dilma, sendo também referendado por Temer e Bolsonaro, R$ 214 milhões a fundo perdido, recurso que foi perdido em 2019 por falta de apresentação dos projetos de engenharia (DEP indevidamente extinto em 2017). E o DMAE, até hoje, após isto, mesmo acumulando R$ 430 milhões em aplicações financeiras, também nada fez em relação ao plano.

– O DEP necessita ser recriado urgentemente. Foi criado em 1973 quando uma Comissão verificou sua extrema necessidade tanto para ampliar e manter o Sistema de Drenagem (canalizações, galerias e arroios) e manter o Sistema de Proteção contra Inundações. E verificou-se também ser legalmente inadequado incluir estas atividades nas autarquias e empresas de água tratada e esgotos (como é o caso do DMAE), porque estas são constituídas, reguladas e fiscalizadas pela respectiva tarifa. Outras atividades lá colocadas ficam sem orçamento, o que acontece hoje.

Está em debate na Câmara Municipal um Projeto de Lei Autorizativo criando a Secretaria da Drenagem e Estruturas de Proteção, recuperando a história sigla DEP. Esta Secretaria não só reassume as funções do extinto DEP, como estabelece uma forte interrelação com os órgãos estaduais e nacionais afins, entre as demais secretarias do Município (principalmente prevenindo novos alagamentos), realiza amplo programa de Educação Ambiental, à semelhança do “Arroio não é Valão”, vide anexo, especialmente em relação a recuperação dos arroios e auxilia na recuperação do Gravataí e Guaíba. Será também um apoio e ampliação da Defesa Civil, com previsão de eventos para as regiões internas de Porto Alegre e medidas de prevenção e apoio às comunidades atingidas.

A possível ampliação do Sistema de Proteção de Porto Alegre deve ser feita junto com a União avaliando a Bacia do Guaíba na Região Metropolitana. È o caso de avaliar a extensão do Sistema ao sul, além do Morro da Assunção, onde ele termina hoje. Ao norte já há recursos da União (PAC-RS) disponibilizados para a integração ao Sistema do importante Arroio Feijó, divisa entre Porto Alegre e Alvorada.

Precisamos agir de forma sustentável ambiental e economicamente.

As catástrofes climáticas que ocorrem por todo o Planeta (Como mais uma vez temos uma terrível seca na Amazônia e queimadas como nunca no Pantanal) são decorrentes do aquecimento global gerado pelo excesso dos Gases de Efeito Estufa – GEEs -. No caso de Porto Alegre – o que vale para outras cidades densamente povoadas e regiões metropolitanas – , dois terços desta geração de GEEs é vinculada ao transporte, em função da queima de combustíveis fósseis.

Devemos racionalizar o transporte, com valorização do transporte coletivo, ampliação do Trensurb com o braço Zona Norte de PoA, Alvorada, Cachoeirinha e Gravataí, maior uso de barcos no Guaíba e seus afluentes. E principalmente acelerar a introdução de veículos elétricos, três vezes mais eficientes do que os veículos a combustão, e que praticamente não geram poluição. Será uma revolução de nossa época. Já imaginaram Porto Alegre sem veneno vindo de canos de descarga e sem ruído?

O Segundo maior gerador de GEEs é o trato inadequado dos resíduos sólidos, podendo chegar a 10%. É necessário valorizar o reuso (em todos os locais), a reciclagem (superar os míseros atuais 3% do volume), a compostagem e a coleta regular e adequada. Também devem ser separados e ter reusos o azeite de frituras (a ser reindustrializado), a borra de café e a erva-mate usada, poderosos adubos de jardins, hortas e outras plantações.

De forma geral precisamos revalorizar o saneamento básico. Cada real aplicado em saneamento, poupa três reais em saúde. Sem água tratada e com esgoto aberto em frente à casa ninguém aprende. O saneamento gera muito emprego e renda e é essencial em qualquer processo de desenvolvimento.

Aproximadamente 20% dos GEEs são gerados pelas indústrias, agricultura, outras atividades, inclusive as nossas individuais. Devemos valorizar as indústrias de “resíduo zero”, que reaproveitam todos os resíduos. Na agricultura efetivar o Plano ABC – Agricultura de Baixo Carbono – decidido em 2011, em Copenhague, na COP-15, com significativa participação do Brasil.

Na área ambiental não só podemos reduzir a geração de GEEs, como é o caso de nunca permitir terras nuas, como realizar a captação de GEEs excedentes, como é a ampliação de áreas verdes. Vale a pena olhar as centenas de corredores verdes de Medellin/Colombia. Na habitação, deve ser recriado um programa permanente de reassentamento das áreas de risco, transformando as áreas liberadas em parques e jardins.

È possível termos um município mais eficiente, menos caro e com muito mais qualidade de vida. E ainda darmos à nossa contribuição ao Planeta, reduzindo as catástrofes climáticas.

Para isto é necessário negar os negacionistas! Não só os falsos científicos, mas principalmente as autoridades – do executivo, legislativo e judiciário – que negam a ciência, destruindo estruturas públicas fundamentais e não realizando uma gestão segura e promovedora de qualidade de vida a todos(as).

(*) Engenheiro Especialista em Planejamento Energético e Ambiental

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


Leia também