
Milton Pomar (*)
Quando Hugo Chávez venceu as eleições pela primeira vez, em dezembro de 1998, com 56% dos votos, a Venezuela passou a integrar a coleção de alvos demoníacos preferidos (Irã, Iraque) dos Estados Unidos (EUA) e da mídia a seu serviço em muitos países (Brasil inclusive), pela mesma razão: petróleo. Muito, muitíssimo petróleo, no caso da Venezuela. Com o governo Chávez, as reservas conhecidas de petróleo no país saltaram de 25,9 bilhões de barris (1983) para os atuais 303 bilhões de barris (2023), a maior do mundo – acima dos 267 bilhões da Arábia Saudita, dos 208 bilhões do Irã e dos 145 bilhões do Iraque.
A mídia desonesta até diz que a crise crônica da Venezuela tem a ver com o petróleo, mas omite o essencial, que permite entender porque os EUA não tiram a “mão grande” de cima do país, há quase 100 anos: maior consumidor de petróleo do mundo (21 milhões de barris em 2022, mais de sete vezes o consumo brasileiro), os EUA têm 48 bilhões de barris de reservas conhecidas, pouco mais da metade do que a Rússia (80 bilhões), e seis vezes e meio menos que a Venezuela.
Estive em Caracas a primeira vez em dezembro de 1999, por ocasião do plebiscito a respeito da Nova Constituinte, com a campanha de Chávez (a favor do “SI”) pela aprovação. Além de andar por Caracas, fui também a Valência e Maracaibo. Assisti comício e programa de televisão de Chávez, conversei com muitas pessoas do povo, entrevistei lideranças, pesquisei sobre a economia e a história do país. Descobri que ocorrera o “Caracazo”, massacre de grandes proporções cometido pelo Exército e a polícia, com centenas de mortes, no final de fevereiro de 1989, e do qual nada se soube no Brasil na época, talvez porque estávamos focados na preparação da primeira disputa presidencial após a ditadura militar.
Vi frutas da Califórnia vendidas por ambulantes no meio da rua, e muita pobreza por todos os cantos. Carros imensos, dos anos 1950-60, verdadeiros sumidouros de gasolina, circulando ainda graças ao preço irrisório do combustível. Vigilante particular, com metralhadora, na porta de padaria(!) do Country Club, bairro no qual se concentrava a burguesia venezuelana. O país muito rico tinha quase toda a sua população em situação de extrema pobreza, importava grande parte da comida, e suas referências econômica, cultural e esportiva eram os EUA. Naquele momento, Chávez era uma grande incógnita.
Nesses 25 anos de tentativa da Venezuela de encontrar o caminho para a sua população viver melhor, os EUA foram implacáveis com a sua “ex-colônia” e grande fornecedor de petróleo. De golpe de Estado (2002), greves forjadas, “eleição” de presidente de direita (2018), bloqueio de dinheiro em bancos nos EUA, e proibição de comércio com o país (2019), teve de tudo. Mais a propaganda contrária, de todas as formas, contribuindo para formar “deformadores de opinião” no Brasil e em outros países, sempre prontos a opinar para a mídia…
Os argumentos utilizados pelos EUA para tentar justificar o combate aos governos Chávez e Maduro esbarram no direito internacional, porque divergência ideológica com quem está governando o país não lhes permite prejudicar a população via estrangulamento da economia nacional, como faz com Cuba há mais de 60 anos. No caso venezuelano, como resultado da ofensiva crescente dos EUA contra a economia, bloqueando recursos financeiros e levando à redução da produção e exportação de petróleo, com rápido empobrecimento de milhões de pessoas, o desespero da fome e da falta de quase tudo levou 20% da população a emigrar.
Hoje, nas eleições presidenciais na Venezuela, estão em jogo o que a mídia desonesta classifica como “os 25 anos de chavismo”, sem dizer quanto melhorou a vida da população venezuelana nos governos de Chávez, e sem revelar as sucessivas sabotagens da direita venezuelana e dos EUA.
Hoje, para os EUA, o que interessa é o domínio da maior reserva de petróleo do mundo. Estão pouco se lixando para a “democracia”, “direitos humanos” e os milhões de migrantes venezuelanos. Se os EUA se importassem com tais valores, não deixariam ocorrer o genocídio na Faixa de Gaza, com tantas mortes de crianças, jovens, mulheres e pessoas idosas, total que poderá chegar a 186 mil vítimas fatais, de acordo com estudo da revista The Lancet, publicado em 20 de julho de 2024.
Laura Richardson, general e chefe do Comando Sul dos EUA, em seu discurso dia 24 de maio de 2024, no Panamá, reiterou a disposição do seu país em manter a América do Sul seu quintal favorito.
Talvez ela tenha escolhido realizar o evento no Panamá para não deixar dúvidas sobre quem manda no pedaço – nesse país funcionou a Escola de Tortura dos EUA, de 1946 a 1984, denominada oficialmente “Escola das Américas”, e na qual estima-se terem sido treinados 60 mil policiais e militares, em técnicas de aniquilamento de opositores de esquerda dos países da região.
(*) Geógrafo, Mestre em Políticas Públicas
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