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24 de julho de 2024
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14:47

TRF4 mantém proibição de espigão na Duque ao lado do Museu Julio de Castilhos

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Prédio projetado fica entre a Fernando Machado e a Duque de Caxias | Foto: Reprodução
Prédio projetado fica entre a Fernando Machado e a Duque de Caxias | Foto: Reprodução

A 4ª Turma do Tribunal de Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve nesta quarta-feira (24), por unanimidade, a liminar que proíbe a construção de um prédio de mais de 40 andares entre as ruas Fernando Machado e Duque de Caxias, ao lado do Museu Julio de Castilhos, no Centro de Porto Alegre. O licenciamento do empreendimento, uma parceria entre a construtora Melnick e o Grupo Zaffari, estava tramitando na Prefeitura de Porto Alegre, mas a Associação dos Amigos do Museu Julio de Castilhos (AJUC) ajuizou uma ação civil pública contrária ao projeto, uma vez que ele não está de acordo com as normas previstas na portaria de tombamento do museu, que determinam que construções no entorno podem ter, no máximo, 15 pavimentos ou 45 metros de altura.

O processo estava sendo julgado originalmente na esfera estadual, mas passou para a Justiça Federal após o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) manifestar interesse em participar da ação após ser intimado pelo Ministério Público. Em 29 de janeiro, a juíza federal Vivian Josete Pantaleão Caminha determinou que os empreendedores deveriam se abster de continuar as obras, que já haviam iniciado, até que uma decisão definitiva sobre o mérito da ação fosse tomada.

Paralelamente, em abril, o Instituto do Patrimônio Histórico do Estado (IPHAE), órgão da Secretaria Estadual de Cultura (Sedac) responsável pela portaria de tombamento do Museu Julio de Castilhos, negou a autorização para a construção do empreendimento e o Ministério Público Federal (MPF) emitiu um parecer no âmbito do processo reafirmando o posicionamento de que o empreendimento não deve ter andamento até o julgamento definitivo do processo. O parecer, assinado pelo procurador regional da República Ricardo Luís Lenz Tasch, em 20 de abril, afirma que, levando em conta os princípios de responsabilidade objetiva e precaução, cabe aos potenciais infratores — Melnick e Zaffari — comprovarem que o empreendimento não trará dano ao patrimônio histórico e cultural, o que poderá ser verificado no decorrer do processo.

Já a manifestação do IPHAE ponderou que o grande número de unidades residenciais previstas no empreendimento tende a produzir impactos urbanísticos nas redes de infraestrutura, nos equipamentos comunitários, no trânsito e na acessibilidade geral que “merecem atenção dos órgãos responsáveis pelo licenciamento urbanístico”. Acrescentou ainda que a torre de 45 andares reduzirá a insolação nas edificações próximas, o que inclui o Museu, a Catedral e o Palácio Piratini, afetando as condições de habitabilidade da região, mas também gerando impacto direto na preservação do prédio do Museu e em seu acervo.

Presidente da AJUC e advogado na ação, Cláudio Pires Ferreira saudou a decisão do TRF4 e considerou que a corte “não se curvou ao poderio econômico” dos empreendedores.

“Não por acaso, houveram pareceres do Ministério Público do RS e do Ministério Publico Federal pelo deferimento da liminar. Ademais, recentemente houve o indeferimento pelo IPHAE do referido projeto, o que inviabiliza a aprovação pela Prefeitura de Porto Alegre, sob pena de inobservar o art. 18 do Decreto-lei n.25/1937. Seguimos atentos na defesa intransigente do Museu de História Julio de Castilhos, o museu mais antigo do estado, fundado em 1903, e guardião da principal coleção histórica e cultural do Rio Grande do Sul”, diz Cláudio.

O projeto da construtora Melnick em parceria com a Companhia Zaffari foi revelado com exclusividade pelo Sul21 em agosto de 2023. A proposta apresentada pelos empreendedores à Prefeitura previa que o prédio teria 44 andares e 108,06 metros a contar da Duque de Caxias — conforme o último pedido de alteração no projeto feito pelos construtores, mas há discrepâncias entre diferentes versões da proposta. O processo está oficialmente em fase de análise pelo licenciamento da Prefeitura.

Segundo a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus), o projeto está tramitando pela chamada “Lei dos Esqueletos” (Lei 11.531/2013), criada para incentivar a conclusão de prédios inacabados do Centro de Porto Alegre. A legislação admite a possibilidade de manutenção do projeto que fora abandonado ou sua adequação, garantindo o acesso ao mesmo regime urbanístico vigente à época da aprovação original, o que impacta questões como altura, afastamentos, taxa de ocupação e recuos.

No caso específico, o projeto original data da década de 1970, e a Lei dos Esqueletos permitiu ao projeto atual fazer uso do regime urbanístico da época. Ao revelar o caso, o Sul21 questionou à Smamus se o regime urbanístico original do imóvel permitia a construção de um prédio com a altura proposta na região, mas não obteve retorno.

Além da portaria da Sedac que determina que construções no entorno podem ter, no máximo, 15 pavimentos ou 45 metros de altura, o projeto apresenta outras inconsistências. A Lei dos Esqueletos determinava que pedidos de inclusão de projeto arquitetônico nas suas regras deveriam ser solicitado até um ano após a publicação da legislação, com as obras iniciando num prazo máximo de 180 dias após a aprovação do projeto e do licenciamento.

Os documentos disponibilizados no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Prefeitura informam apenas que o projeto foi incluído na Lei dos Esqueletos e que foi solicitada alteração no prazo de início de obra com base na legislação em março de 2021, sendo deferido em agosto. Não há informação sobre quando a inclusão na lei foi apresentada pela primeira vez e porque o projeto não cumpriu o prazo original de 180 dias para o início das obras.

Apesar de a Smamus informar que o projeto tramitava apenas na Lei dos Esqueletos, os documentos disponibilizados no SEI informam que a Melnick pediu a inclusão do projeto no Programa de Reabilitação do Centro Histórico, que retira o limite de altura de prédios no bairro.

A Lei do Centro, em tese, não impõe limites de altura, mas determina que o padrão volumétrico para novos empreendimentos será estabelecido pela definição de gabaritos válidos para cada quarteirão do bairro ou para um conjunto de quarteirões. Estes gabaritos serão definidos por regulamentação do Executivo Municipal.

Em 29 de janeiro, a juíza federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, determinou que a construtora Melnick e a Companhia Zaffari devem se abster de continuar as obras do empreendimento até que haja um julgamento definitivo a respeito da Ação Civil Pública impetrada pela Associação dos Amigos do Museu Julio de Castilho.

Em sua decisão, a juíza considerou que há “fundada dúvida” sobre a possibilidade do empreendimento ser construído no entorno do Museu e de outros prédios históricos, bem como aponta que não foi realizado um estudo de impacto de vizinhança, nem concedida autorização prévia dos órgãos de proteção do patrimônio histórico nacional e estadual.

Em 5 de janeiro, A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) se manifestou no âmbito de processo judicial afirmando que qualquer edificação a ser construída ao lado do Museu Julio de Castilhos deve respeitar a Portaria de tombamento do museu elaborada pelo IPHAE.


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