
Conhecer e acompanhar as mudanças ocorridas na legislação ambiental do Rio Grande do Sul, durante o governo de Eduardo Leite (PSDB), e a possibilidade de tais alterações terem sido “impulsionador da catástrofe vivenciada na região”. Esse é o objetivo da representação feita pelo subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Rocha Furtado, para o presidente do órgão.
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O pedido é se insere na nova frente de atuação do TCU no âmbito do “Programa Recupera Rio Grande do Sul”, criado pelo presidente do Tribunal, ministro Bruno Dantas, para acompanhar as ações de reestruturação do estado. O objetivo do programa é “facilitar a transparência dos processos, reduzir a formalidade, flexibilizar a burocracia e oferecer segurança aos gestores públicos na tomada de decisões”. A força-tarefa de auditores se propõe a acompanhar as ações de recuperação do RS após a catástrofe causada pelas chuvas.
Além de observar as mudanças na legislação ambiental do RS, o subprocurador-geral também pediu que o TCU atue junto ao Congresso Nacional para avaliar os possíveis impactos ambientais de 25 projetos de lei e três propostas de alteração da Constituição apontados pelo Observatório do Clima diante do risco de ampliação da “destruição ambiental” do Brasil. “São tentativas de alterar a legislação brasileira para reduzir áreas de preservação de florestas e outros tipos de vegetação, afrouxar as regras de licenciamento ambiental e mecanismos de fiscalização, ou anistiar grileiros e desmatadores”, aponta Furtado.
No que se refere ao RS, ao justificar o motivo da representação, ele cita as 480 mudanças promovidas por Leite, em 2019, com o novo Código Estadual do Meio Ambiente, incluindo o autolicenciamento ambiental, chamado de Licença Ambiental por Compromisso (LAC). A regra, hoje contestada no Supremo Tribunal Federal (STF), concedida a licença em até 48 horas pelo sistema digital da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Sem análise prévia do projeto, basta o empresário interessado declarar que cumpre todos os requisitos ambientais.
Na ação, Furtado ainda cita o afrouxamento de regras de proteção do Pampa, com a revogação de 13 artigos, incluindo os trechos que proibiam o corte de árvores como figueiras, corticeiras, algarrobos e inhanduvás. A flexibilização da lei dos agrotóxicos também é lembrada pelo subprocurador-geral, assim como a recente lei que permite a criação de barragens e açudes em Área de Preservação Permanente (APP).
“Certamente, no Brasil, o poder de legislar é atribuído ao Congresso Nacional, não cabendo a essa Corte se apropriar dessa competência. Contudo, é necessário um trabalho junto ao Governo Federal, ao Senado e Câmara dos Deputados ante a catástrofe que o Brasil está vivendo”, pondera Furtado.
“A Constituição Federal de 1988 estabelece que a União tem a competência para legislar sobre normas gerais em matéria de proteção ambiental e controle da poluição. Isso significa que cabe à União estabelecer as diretrizes básicas e os princípios para a proteção do meio ambiente em todo o território nacional. Essas normas gerais devem ser observadas pelos Estados e pelo Distrito Federal ao legislarem sobre questões ambientais específicas de seus territórios.
Os Estados e o Distrito Federal, por sua vez, têm a competência para suplementar a legislação federal, criando normas específicas que atendam às particularidades de seus territórios. Eles podem, portanto, elaborar leis ambientais mais restritivas ou detalhadas, desde que respeitem as diretrizes gerais estabelecidas pela União”, destaca o subprocurador na ação.
Furtado finaliza a representação afirmando que “vidas são mais importantes que balança comercial”, em referência a usual justificativa dos governantes que modificam leis ambientais para favorecer o ambiente de negócios. “Legislações ambientais não podem ser afrouxadas em prol de supostos benefícios econômicos. De certo, as exportações do agronegócio do Rio Grande do Sul estava em alta devido às mudanças legislativas. Contudo, qual preço disso tudo?”, ele questiona.
Junto com o pedido para que o Tribunal de Contas da União (TCU) avalia as mudanças legislativas ambientais que aconteceram no Rio Grande do Sul, Lucas Rocha Furtado também solicita que a corte analise os possíveis impactos ambientais de 25 projetos de lei e três propostas de alteração da Constituição com potencial de fragilizar a proteção ambiental do Brasil.
Citando o monitoramento feito pelo Observatório do Clima, rede da sociedade civil sobre a agenda climática, com 107 integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais, o subprocurador-geral lista os projetos que tramitam no Congresso, apelidados de “novo pacote da destruição”.
Confira a lista:
Flexibilização do Código Florestal e de outras normas de proteção da vegetação nativa
PL 364/2019 – Elimina a proteção de todos os campos nativos e outras formações não florestais
PL 3334/2023 – Viabiliza a redução da reserva legal na Amazônia
PL 2374/2020 – Anistia para desmatadores
PL 1282/2019 e PL 2168/2021 – Obras de irrigação em áreas de preservação permanente PL 686/2022 – Suprime o controle sobre a vegetação secundária em área de uso alternativo do solo
Licenciamento ambiental
PL 2159/2021 – Lei Geral do Licenciamento Ambiental
PL 4994/2023 – PL da BR 319
Financiamento da política ambiental
PL 10273/2018 – Esvazia a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental e o poder do Ibama
PL 6049/2023 – Altera as regras do Fundo Amazônia
Grilagem
PL 2633/2020 e PL 510/2021 – Flexibilizam as normas sobre regularização fundiária
PL 3915/2021 – Altera o marco temporal para regularização fundiária de terras da União
PL 2550/2021 – Amplia do uso da Certidão de Reconhecimento de Ocupação (CRO)
Unidades de Conservação
PL 5822/2019 e PL 2623/2022 – Admitem exploração mineral em Unidades de Conservação (UCs)
PL 2001/2019, PL 717/2021 e PL 5028/2023 – Buscam inviabilizar a criação de UCs
PL 3087/2022 – Reduz o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque
Terras Indígenas
PEC 48/2023 – Acrescenta o marco temporal no art. 231 da Constituição
PEC 59/2023 – Delega ao Congresso competência para demarcação de terras indígenas PL 6050/2023 – Flexibiliza o desenvolvimento de atividades econômicas nas terras indígenas
Recursos Hídricos
PL 4546/2021 – Institui política de infraestrutura hídrica desconectada da Política Nacional de Recursos Hídricos
Oceano e Zona Costeira
PEC 03/2022 – Retira a propriedade exclusiva da União sobre os Terrenos de Marinha
PLP 254/2023 – Atribui à Marinha o licenciamento ambiental de empreendimentos náuticos
Mineração e Garimpo
PL 355/2020 – Altera o Código de Mineração
PL 3587/2023 – Cria o Banco Nacional Forense de Perfis Auríferos