
Em meio à tragédia que atinge o Rio Grande do Sul, o Senado aprovou nesta quarta-feira (15) o projeto de lei que estabelece regras gerais para a formulação de planos de adaptação às mudanças climáticas (PL 4.129/2021). O projeto prevê que o governo federal elabore um plano nacional de adaptação à mudança do clima em articulação com estados e municípios e aponta algumas diretrizes. Como foi aprovado na forma de um texto alternativo, o projeto retorna à Câmara dos Deputados.
O senador gaúcho Hamilton Mourão (Republicanos-RS) votou contra a proposta, que pretende criar medidas para diminuir a vulnerabilidade ambiental, social e econômica aos efeitos das mudanças climáticas. Também votaram contra os senadores Rogério Marinho (PL-RN), Carlos Portinho (PL-RJ), Messias de Jesus (Republicanos-RR), Eduardo Girão (Novo-CE) Plínio Valério (PSDB-AM) e Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
De iniciativa da deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), o projeto foi aprovado pela manhã na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) após acordo negociado entre o governo e a oposição no Plenário na terça-feira (14).
Diferentemente da terça-feira (14), o projeto avançou sem intensas discussões nesta quarta. A votação foi simbólica. Líder do Governo no Senado, o senador Jaques Wagner (PT-BA) foi o relator do projeto na CCJ e autor do texto final aprovado. Antes, a proposta passou pela Comissão de Meio Ambiente (CMA).
“Pode-se afirmar que o evento catastrófico que observamos no Rio Grande do Sul é resultado da responsabilidade compartilhada entre os maiores emissores de GEE [gases do efeito estufa] mundiais, sobretudo a partir de combustíveis fósseis, ao longo da série histórica desde o início do período industrial. Seria ingênuo acreditar que esse desastre foi causado apenas pela ação humana dentro do território brasileiro”, disse no parecer.
Na análise do Observatório do Clima, a aprovação do projeto pode ser considerada uma vitória em meio a um cenário de graves e seguidos retrocessos. “O pior Congresso da história opera ferozmente para implodir direitos socioambientais. São pelo menos 25 projetos de lei e três propostas de emenda à Constituição (PECs), que compõem o Pacote da Destruição, avançando em várias frentes – licenciamento ambiental, direitos indígenas, financiamento da política ambiental – e abrindo caminho para crimes ambientais”, diz a entidade, a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 107 integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais.
“A aprovação do projeto de lei 4129/21 traz uma agenda positiva nesse momento de emergência climática. Com esse projeto, as cidades, os estados e o país têm como avançar em um plano estratégico de clima e adaptação. Para isso, é fundamental usar a natureza, promovendo a restauração dos ecossistemas, como a Mata Atlântica, bioma que reúne mais de 70% da população do país em 17 estados. É importante também não permitir mais retrocessos na legislação ambiental brasileira. Esse é o primeiro passo de uma resposta importante que o Congresso Nacional pode dar ao nosso país”, afirmou Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.
Diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Marcos Woortmann ponderou que, em meio a uma série de decisões problemáticas, o Congresso Nacional demonstra ainda ser capaz de fazer escolhas sensatas. “O texto foi construído com amplo debate e participação, estabelecendo importantes diretrizes de justiça ambiental, econômica e social. Desenvolver e disponibilizar os instrumentos é fundamental para que todos os entes federativos tenham parâmetros para construir seus planos de adaptação climática, cuja importância se demonstra tragicamente na situação que o Rio Grande do Sul atravessa.”
Por sua vez, Caio Victor Vieira, especialista em relações governamentais e diplomacia do Instituto Talanoa, disse que o projeto chega tarde, mas ainda assim em tempo de dar esperanças. “É com gosto agridoce que comemoramos a aprovação do PL no Senado. O projeto vinha sofrendo algumas interpelações desde seu lançamento e, indubitavelmente, a tragédia no Rio Grande do Sul fez com que os alertas políticos focassem na aprovação de um projeto mais do que urgente, urgentíssimo. Ainda que seja um projeto de lei principiológico, a vinculação da construção do Plano Nacional de Adaptação imiscuindo as três esferas do federalismo brasileiro nos dá uma esperança inicial de que os esforços para diminuirmos os impactos deletérios das alterações humanas no clima estarão em foco. É tarde, mas ainda temos tempo”, comentou.
Já Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, destacou que a boa notícia vinda do Congresso não pode ser um caso isolado ou uma espécie de favor que deputados e senadores estão fazendo à sociedade. “É preciso que eles também garantam que não votarão as dezenas de projetos de destruição ambiental que hoje entopem as comissões e os plenários do Parlamento.”
Pelo projeto, as medidas de adaptação à mudança do clima serão elaboradas por órgão federal competente em articulação com as três esferas da Federação (União, estados e municípios) e os setores socioeconômicos, garantida a participação social dos mais vulneráveis aos efeitos adversos dessa mudança e dos representantes do setor privado.
Uma emenda do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi aprovada na CCJ para “garantir efetiva participação do setor empresarial na formulação e implementação do plano nacional de adaptação”.
O plano e suas ações e estratégias deverão ter como base “evidências científicas, análises modeladas e previsões de cenários, considerando os relatórios científicos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês)”.
A proposta prevê que o plano nacional deverá indicar diretrizes para a elaboração de planos estaduais e municipais, assim como estabelecer ações e programas para auxiliar os entes federados na formulação dos seus próprios documentos. Essa implementação poderá ser financiada pelo Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. A medida foi uma das sugestões incluídas pelo relator na Comissão de Meio Ambiente (CMA), Alessandro Vieira (MDB-SE).
O texto alternativo também estabelece que as ações deverão ser avaliadas, monitoradas e revisadas a cada quatro anos. No projeto original, esse prazo era de cinco anos. Os planos deverão ainda ser integrados à Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei 12.608, de 2012) e à Estratégia Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas.
“Apesar da existência de um Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, o país carece de uma legislação que estabeleça diretrizes gerais a todos os entes da Federação para a elaboração e revisão de seus planos de adaptação, além de incentivá-los a elaborar e implementar tais planos”, apontou Alessandro ao recomendar a aprovação do texto.
O PL 4.129/2021 abrange as diretrizes gerais a serem seguidas pelos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) nos planos para reduzir a vulnerabilidade do País em relação à mudança do clima. O objetivo é complementar a Lei 12.187, de 2009, que estabeleceu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
Entre as diretrizes gerais para o enfrentamento das mudanças climáticas estão “o enfrentamento dos efeitos atuais e esperados das alterações climáticas; a criação de instrumentos econômicos, financeiros e socioambientais que permitam a adaptação dos sistemas naturais, humanos, produtivos e de infraestrutura; e a integração entre as estratégias locais, regionais e nacionais de redução de danos e ajuste às mudanças”.
“A aprovação do PL 4.129 pelo Senado é uma luz no atual cenário do Legislativo, que tem se empenhado todos os dias para flexibilizar a legislação que protege os direitos socioambientais. A proposta ainda retornará à Câmara, mas conta com grande apoio, especialmente diante da tragédia que assola o Rio Grande do Sul. Esses e outros eventos extremos, cada vez mais intensos e frequentes, mostram como a adaptação à mudança do clima necessita estar nas preocupações e ações de todos os gestores públicos e da sociedade em geral. O mundo mudou, negativamente, e temos de assumir a adaptação como norte das diferentes políticas públicas”, avaliou Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
Com informações da Agência Senado