
Um ônibus chega à Avenida Salgado Filho, principal terminal de coletivos que se dirigem ao Centro vindos da zona sul de Porto Alegre. Algumas pessoas esperam na parada. Um vendedor de balas se aproxima. Identifica-se como morador de Eldorado do Sul. A casa de Abiel dos Santos ainda está embaixo d’água. Sua família está desabrigada, mas ele precisa recomeçar. Diz que não aceita doações, insiste que o comprador leve a bala. O ônibus que chegou há pouco agora parte, quase vazio.
A maioria das lojas permanecem fechadas. As onipresentes farmácias de múltiplas redes são aquelas que, em geral, mais tentam retomar as atividades. Algum outro comércio, de forma tímida, também tenta. Quanto mais afastado do Guaíba, maiores as possibilidades.

É possível ver nas paredes do Mercado Público que a água está baixando, mesmo com o repique do Guaíba. Ainda assim, diversas ruas do Centro ainda se parecem com antigos canais. Parte da Casa de Cultura Mario Quinta segue embaixo d’água, como a Praça da Alfândega, a Prefeitura e tantos outros espaços simbólicos da Capital.
Na esquina da Salgado Filho com a Borges de Medeiros, Anísio Silva de Pinho vende frutas e verduras. Pouca gente está comprando, mas ele não pode esperar a água baixar. Pergunta se a equipe do Sul21 é da imprensa. Tem uma reclamação a fazer: não há banheiros disponíveis para quem voltou ao Centro. Os que ele costumava usar, estão sem água. Quem tem água, “botou ele para correr”. “A Prefeitura deveria colocar banheiros químicos”, diz. Na falta dessa estrutura, as pessoas estão utilizando a rua, reclama. Além da água, o mau cheiro se espalha pelo Centro.

A parte alta do Centro não está alagada, mas poucas pessoas circulam pela rua. Muito longe do habitual. O clima lembra a pandemia, mas há pessoas cujas casas estão embaixo d’água e circulam apenas porque desejam ver como estão suas coisas ou porque precisam dar comida para seus animais de estimação.
Agora, em vez das máscaras, muitos usam galochas. Um casal cruza a Rua dos Andradas esvaziada com traje de proteção completo contra a chuva, mesmo que não chova naquele momento. Os inúmeros restaurantes e bares da Rua da Praia permanecem fechados, uma parte deles, ainda parcialmente debaixo d’água. O sinal de internet móvel oscila, mas um vendedor já retornou ao seu banco na Borges com as ofertas de novos planos de fibra ótica. Há luz em alguns locais.
No final da Rua Riachuelo, o Boteco do Paulista, tradicional reduto de boemia que explodiu em popularidade com o aumento de público na Orla do Guaíba, permanece sob a água. Para cruzar dali para a Praça Júlio Mesquita, a Praça do Aeromóvel, uma travessia comum aos frequentadores de final de semana, é preciso escalar sacos de terra e cruzar uma passarela improvisa. Da Praça Júlio até à Usina do Gasômetro, a mesma coisa. Moradores do Centro carregando galões de água se arriscam na estrutura, já embarrada pelos intermináveis dias de chuva, porque não há outro caminho.

No Gasômetro, o movimento de resgates de pessoas já é bem reduzido. Chegam apenas aqueles que relutavam em sair de casa com todas as forças, mas foram vencidos pela notícia de que o Guaíba tinha voltado a subir. O fluxo de resgate segue agora voltado aos animais. São cachorros, gatos, porcos… Quatorze cavalos já tinham sido resgatados, anuncia um médico veterinário que atua como voluntário para prestar o primeiro atendimento na chegada à estrutura montada na nova orla, ainda submersa.
Há mais de uma semana, boa parte da região mais movimentada da cidade segue debaixo d’água. Diante da impossibilidade de prever quando ruas voltarão a ter carros e pessoas, quando a orla deixará de ser porto de cavalos e porcos resgatados da enchente, alguns poucos, por necessidade ou impossibilidade de tomar outro caminho, seguem desviando das águas e do mau cheiro no “coração de Porto Alegre”.













