
Luciano Velleda
A Audiência Pública realizada na noite desta segunda-feira (9) para debater os projetos de terceirização da Cinemateca Capitólio, da Pinacoteca Ruben Berta e do Atelier Livre Xico Stockinger, terminou quase como começou: sem respostas concretas por parte do governo do prefeito Nelson Marchezan (PSDB) sobre as razões, as intenções e a transparência do projeto que pretende passar para entidades privadas a gestão dos equipamentos culturais públicos. A audiência foi realizada pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa.
Representantes do setor audiovisual do Rio Grande do Sul se revezaram, ao longo de quase três horas de reunião, em questionamentos sobre o futuro dos equipamentos culturais. No caso da Cinemateca Capitólio, a principal crítica e motivo de incompreensão é a falta de justificativa de transferir para uma Organização da Sociedade Civil (OSC) a gestão de algo que é admirado e elogiado por frequentadores por sua qualidade e bons serviços prestados.
Luiz Antonio Grassi, presidente da Associação dos Amigos da Cinemateca Capitólio (Aamica), enfatizou a transformação “pra cima” e as melhorias ocorridas no local nos últimos anos, desde que o antigo Cine-Theatro Capitólio foi transformado em Cinemateca, em 2015, passando a guardar a memória do audiovisual gaúcho. Ele elogiou a diversidade e a inclusão dos temas exibidos na programação.

“Não entendemos por que uma coisa que está indo tão bem tem que mudar. Por que uma equipe que está indo tão bem tem que ser substituída por uma privada?”, reclamou Grassi. O presidente da Aamica recordou todas as tentativas frustradas de diálogo e os pedidos de explicações feitos à Prefeitura de Porto Alegre, principalmente ao secretário de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro.
“Por que esse afã da Prefeitura de fazer a desistência da gestão e transferir para uma entidade privada? Até que ponto vai se ter certeza de que o grande sucesso que a equipe que está lá obtém será mantido?”, questionou Grassi, no começo do que seria uma noite de indagações. “Queremos saber e entender os detalhes desse plano, que não sabemos até hoje.”
Único representante da Prefeitura presente, o secretário de Cultura, Luciano Alabarse, ouvia tudo atentamente.
Pinacoteca e Atelier Livre
Assim como o presidente da Aamica, Lisiane Rabello, presidente da Associação Chico Lisboa, seguiu o mesmo caminho da falta de incompreensão com os rumos da Pinacoteca e do Atelier Livre, cujo edital foi lançado no começo de fevereiro. Ela confessou ter medo dos locais perderem o caráter público quando forem assumidos por uma entidade privada, e disse não entender a razão de terceirizar a gestão dos equipamentos culturais.
“Por que não existe dinheiro para o Atelier Livre, para os fornos de cerâmica, para consertar as goteiras, e agora tem verba para repassar para uma entidade privada? Por que esse dinheiro não pode ser aplicado nas pessoas que já estão lá?”, indagou Lisiane. O edital da Pinacoteca e do Atelier prevê o investimento, com recursos públicos, de R$ 5 milhões durante cinco anos.

Atualmente, o Atelier Livre tem seis professores concursados, sendo que dois estão próximos da aposentadoria. Já a Pinacoteca Ruben Berta tem dois funcionários públicos e quatro estagiários. A proposta do governo Marchezan é contratar novos funcionários por meio de uma OSC, enquanto o destino dos atuais profissionais é incerto. “Por que é tão vital entregar a nossa cultura?”, perguntou a presidente da Associação Chico Lisboa.
Orçamento
Coube a Daniela Strack, presidente da Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do RS (APTC-RS), expor alguns dados contábeis que resumem a falta de compreensão dos atores culturais a respeito da proposta de contratualização da Cinemateca Capitólio, a Pinacoteca Ruben Berta e o Atelier Livre.
“Não acreditamos que esse projeto cumpra o que a Prefeitura diz que vai ser o aprimoramento dos serviços”, afirmou. Para ela, a melhoria dos serviços oferecidos ocorrerá quando a Prefeitura de Porto Alegre cumprir o orçamento aprovado na Câmara Municipal.
De acordo com Daniela, o orçamento aprovado, em 2017, para a Coordenação de Cinema e Audiovisual da Secretaria Municipal da Cultura, responsável pela política pública do setor, foi de R$ R$ 301 mil, mas apenas R$ 143 mil foram executados. Em 2018, o orçamento aprovado foi de R$ 464 mil, com execução de apenas R$ 97 mil. E em 2019, a verba disponível foi de R$ 602 mil, porém o total executado foi de R$ 162 mil.

“Como agora existem R$ 2 milhões para repassar para uma entidade privada e não há verba para executar o orçamento?”, questionou Daniela Strack, deixando no ar mais uma pergunta que ficaria sem resposta. Segundo o governo Marchezan, a verba da Cinemateca Capitólio irá para R$ 2 milhões após a terceirização da gestão.
As respostas
Educado, com voz pausada e gestos serenos, coube ao secretário municipal da Cultura, Luciano Alabarse, dar as respostas que o público que encheu o plenarinho da Assembleia gostaria de ouvir.
Iniciou explicando as diferenças dos modelos de privatização, concessão e contratualização. Disse não ter resistência à ideia de contratualização, embora não a defenda 100%. E afirmou que a Prefeitura “não sai dos equipamentos” no modelo de contratualização, também chamado de terceirização.
Alabarse abordou ainda questões envolvendo o Teatro Renascença, o Araújo Viana, o Teatro de Câmara e até o Teatro do Ipê. Sobre o edital conjunto da Pinacoteca e do Atelier Livre, explicou que o segundo é uma espécie de contrapartida do primeiro, tal como coube ao vencedor da gestão do Araújo Viana reformar o Teatro de Câmara.

“Quem ganhar o edital da Pinacoteca tem que aumentar em 50% os cursos. Tudo o que já existe será conservado. Não há mudança alguma, há acréscimos. Não sai nenhum professor”, afirmou o secretário Luciano Alabarse.
Sobre todas as dúvidas relativas à gestão da Cinemateca Capitólio, da Pinacoteca e do Atelier Livre, e todas as indagações sobre a justificativa do governo Marchezan de passar a gestão dos equipamentos de cultura para entidades privadas, Alabarse disse não querer falar dos “raciocínios financeiros” que justificam as intenções da Prefeitura.
“Eu não estou deixando de responder. Minha simples presença aqui, e tentando responder, é a minha tentativa sincera de dizer o que sei, a nível de palavras e conceitos. E eu não sei tudo, não sou a pessoa mais adequada para falar dessa lógica orçamentária. Inclusive porque não participo desses trabalhos. Não me recuso a responder, mas se eu responder algo que não corresponde, eu serei cobrado por uma resposta precisa”, explicou Alabarse. E complementou: “Essa conversa pede total sinceridade, sempre fui um péssimo aluno de matemática. Não estou me desculpando, só estou reconhecendo que para falar de finanças, em nome da Prefeitura, temos que chamar pessoas dessa área para dar respostas precisas”.
