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14 de novembro de 2023
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16:06

Pesquisa aponta Serviço Social entre menores salários do ensino superior e impulsiona luta por piso

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Equipe de saúde do Consultório na Rua Centro (SMS) e do Ação Rua (SMDS) fazem abordagem com população em situação de rua que se encontra no viaduto da Conceição, em Porto Alegre. Foto: Cristine Rochol/PMPA
Equipe de saúde do Consultório na Rua Centro (SMS) e do Ação Rua (SMDS) fazem abordagem com população em situação de rua que se encontra no viaduto da Conceição, em Porto Alegre. Foto: Cristine Rochol/PMPA

Um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), realizado a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgado no mês de outubro, apontou que a profissão de assistente social está entre as cinco de menores salários no Brasil entre aquelas que exigem ensino superior. O Conselho Regional do Serviço Social da 10ª Região (CRESS/RS) destaca que os dados reforçam a necessidade de aprovação dos pisos nacional e regional da categoria, que são reivindicações históricas dos profissionais de Serviço Social. Em junho deste ano, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que fixa o piso salarial do assistente social em R$ 5,5 mil para jornada de 30 horas, mas a proposta ainda precisa ser analisada por outras comissões da Casa antes de ir a plenário.

De acordo com o levantamento, a profissão de assistente social é a quinta pior remunerada do ensino superior, com média salarial de R$ 3.078. O CRESS/RS aponta, no entanto, que um dos principais problemas da profissão é a discrepância salarial entre diferentes vagas nos setores público e privado. Se por um lado no município de Porto Alegre, o salário base de um servidor da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) com 40 horas de carga horária e dedicação exclusiva é de R$ 7.800, um concurso público realizado neste ano no município de Uruguaiana tem como vencimento básico para 30 horas o valor de R$ 1.661,68, pouco mais do que o salário mínimo nacional (R$ 1.421) e abaixo da faixa mais alta do salário mínimo regional (que vai de R$ 1.443,94 a R$ 1.829,87). Pela Lei 12.317, de 2010, a jornada de trabalho de assistentes sociais no Brasil deve ser de 30 horas.

 

Ranking apresenta os menores salários entre as profissões que exigem ensino superior | Fonte: FGV/Ibre, dados IBGE, elaboração Sul21
Ranking apresenta os maiores salários entre as profissões que exigem ensino superior | Fonte: FGV/Ibre, dados IBGE, elaboração Sul21

Profissional da área, Anderson* pontua que a realidade salarial em Uruguaiana é a pior do Estado, mas que a média em grande parte dos municípios gira em torno dos R$ 3 mil apontados no estudo da FGV, o que ele acredita representar uma desvalorização e um desconhecimento sobre a importância do Serviço Social.

“É uma profissão de grande exposição em razão das múltiplas expressões sociais que a profissão atende, com pessoas vítimas de violências, em situação de rua, exposição ao uso abusivo de álcool e outras drogas, transtornos mentais e exposição a doenças infectocontagiosas”, pontua. “O sentimento compartilhado por profissionais da categoria é de tristeza e indignação, pois não encontram o reconhecimento mínimo que qualquer categoria profissional de nível superior necessita em termos salariais, o valor pago não dá conta de despesas básicas de sobrevivência que uma família necessita, tampouco consegue custear o processo de educação permanente e atualização que a complexidade da demanda do Serviço Social requer, pois o profissional se vê em situação de ter que escolher entre comprar comida ou investir em livros e cursos de formação”, complementa.

Presidente do CRESS/RS, Cíntia Florence Nunes pontua que a precarização do trabalho vem ocorrendo na categoria dos assistentes sociais, mas que não é um fenômenos isolado num cenário de terceirização e “uberização”.

“A profissão de assistente social, no último período, vem sentindo muito e estar no ranking dos cinco menores salários não significa apenas do salário, mas também envolve todas as condições de trabalho, seja dos vínculos, às vezes, muito frágeis no setor privado, seja por outras formas de contratação, não apenas via CLT, mas também no próprio serviço público”, afirma Cíntia.

Ela reconhece que alguns cenários apresentam salários acima da média apontada na pesquisa da FGV, como a Prefeitura de Porto Alegre e em diversas secretarias do Poder Executivo do Estado, cuja média salarial dos assistentes sociais é de R$ 11.778,49 (ver quadro fornecido pela Secretaria Estadual da Fazenda abaixo), mas que, em via de regra, são vagas que exigem 40 horas e dedicação exclusiva, isto é, acima do previsto em lei para a categoria.

 

 

Quantitativo de servidores ocupantes de cargos de assistentes sociais no Poder Executivo do Estado e salários de entrada e final de cada carreira | Fonte: Sefaz

“Aí acaba que é um jogo que os profissionais acabam não garantindo a lei, porque tu acaba se submetendo”, diz. “O piso de 30 horas foi uma lei, foi amplamente discutida e aprovada justamente porque os profissionais de Serviço Social acabam atuando muitas vezes em frentes que são altamente adoecedoras, tem um alto índice de estresse e de adoecimento do trabalho. A gente trabalha com situações de violência, violência doméstica, abuso sexual, usa abusivo de drogas, extrema pobreza, situações de extrema precariedade da vida das pessoas. Um profissional atua em muitas frentes, seja na saúde, na assistência social, na previdência, etc.”, complementa.

Atualmente, tramita no Congresso Nacional mais de um projeto de lei que busca instituir um piso nacional do Serviço Social. O mais avançado deles, o PL 1827/19, de autoria do deputado Célio Studart (PSD-CE), é aquele que foi aprovado na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara em junto, estabelecendo o piso em R$ 5,5 mil para jornada de 30 horas. Originalmente, ele previa estabelecer o piso em R$ 4,2 mil, mas um substitutivo da deputada Andreia Siqueira (MDB-PA) elevou a proposta para o patamar atual.

Na sessão da comissão em que foi aprovada a proposta, Andreia pontuou que a média salarial dos assistentes sociais seria ainda menor do que o apontado pela FGV, da ordem de R$ 2.245, e em alguns estados, como Minas Gerais, seria inferior a R$ 1.485. O PL ainda precisa ser analisado pelas comissões de Trabalho, de Finanças e Tributação, e de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de seguir para análise do plenário da Câmara.

Cíntia destaca que, para além da luta pela aprovação do piso regional, o CRESS/RS também tem buscado dialogar com a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul para a implementação de um piso regional. “Assim como a gente tem o salário mínimo nacional e o salário mínimo regional, ter um indicativo de piso regional para nós seria algo interessante porque ele pelo menos balizaria que nenhum assistente social ganhasse menos que esse valor, mas tem algumas propostas nacionais em andamento. A gente ainda não avançou nelas”, pontua.

Cíntia avalia que o principal resultado da baixa remuneração da categoria é a desmotivação dos profissionais, o que, invariavelmente, afeta também a população nas diversas áreas de atuação do assistente social, o que inclui a efetivação de direitos básicos como acessos a políticas públicas e benefícios sociais. “Muitas vezes, um laudo do assistente social, uma avaliação, é muito definidora do encaminhamento e do acesso a direitos e benefícios sociais, por mais que as pessoas têm direito ao acesso ou até de proteção. Uma criança que sofre violência, às vezes é o laudo de um assistente social que vai garantir a proteção dessa criança e os demais encaminhamentos”, pontua.

Contudo, para além da baixa remuneração, ela avalia que há um quadro generalizado de más condições de trabalho. “Às vezes, não tem uma sala para atendimento, o profissional não consegue ter um carro para fazer visita domiciliar no território. A gente tem visto que isso atinge diretamente o trabalho, porque tem tanto uma desmotivação dos profissionais, um baixo desempenho, como também a própria questão da qualificação”, afirma.

Por outro lado, ela também destaca que a profissão exigiria uma constante busca por qualificação, em razão das frequentes atualizações da legislação e das melhores práticas recomendadas nas diversas áreas de atuação dos profissionais. Contudo, outro resultado da baixa remuneração é o fechamento de cursos de pós-graduação e de graduação na área. Em 2022, a PUCRS anunciou a descontinuidade do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social a partir da conclusão das pesquisas dos atuais mestrandos e doutorandos. O programa é o único da área com nota 7 na avaliação da Capes, a mais alta possível, no Rio Grande do Sul.

O fechamento de cursos de Serviço Social no RS motivou uma discussão sobre o tema na Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa em maio deste ano.

“Quando tu tens baixos salários, quais as universidades que vão querer manter esse curso de graduação? Não tem procura, então, hoje, a gente também tem visto isso dentro da formação”, diz Cíntia.

*O nome utilizado é fictício a pedido do entrevistado. 


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