
Na sexta-feira (9), uma empregada doméstica foi resgatada da casa de um desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em Florianópolis, onde era mantida em condições análogas à escravidão há mais de 30 anos. A operação de resgate foi deflagrada no dia 6, após uma denúncia recebida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Na fase preliminar da investigação, testemunhas foram ouvidas e o Ministério Público Federal (MPF) obteve mandados judiciais do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para fiscalizar o domicílio.
Segundo o MPT, Sônia de Jesus tem 50 anos, é surda e vivia em um abrigo de crianças de São Paulo quando foi retirada do local pela sogra do desembargador aos 9 anos de idade. No início da adolescência, época em que a primeira filha dos investigados nasceu, Sônia foi entregue ao casal e passou a conviver com a família.
Apesar da alegação dos investigados de que Sônia era tratada como se fosse da família, ela nunca teve instrução formal, não aprendeu a ler e escrever e não foi alfabetizada na língua brasileira de sinais (LIBRAS). De acordo com o MPT, ela comunicava-se por meio de gestos simples e não possuía convívio social fora do ambiente dessa família. Ela passou a ter plano de saúde, CPF, RG e título de eleitor somente em 2021. Antes dessa data, seu único documento era a certidão de nascimento.
Os mandados de busca e apreensão na casa do desembargador e de sua esposa foram cumpridos pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, com participação de auditores-fiscais do Trabalho, vinculados ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do MPT, MPF, Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Federal (PF).
Testemunhas relataram que Sônia dormia em dependências de empregadas tanto na casa do casal em Blumenau/SC, antes de o magistrado se tornar desembargador, quanto na residência em Florianópolis. Sônia foi acolhida por uma entidade que presta assistência social e psicológica e deve ser inserida em uma entidade filantrópica especializada na alfabetização e na socialização de pessoas surdas para que possa interagir com outras pessoas, desenvolver atividades lúdicas e desportivas e aprender a se comunicar em libras.
O MPT e a DPU poderão propor termo de ajuste de conduta (TAC), cobrar o pagamento de dívidas trabalhistas em conjunto com os auditores-fiscais do MTE e ajuizar ação civil pública em caso de recusa de assinatura de TAC. O MTE vai lavrar autos de infração e liberar guias para que Sônia de Jesus receba três parcelas de seguro-desemprego. A instituição também poderá inserir o desembargador no cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à escravidão (“lista suja”).