Carta aberta à direção do Grêmio Náutico União (por grupo de associados do GNU)

Grupo de associados do Grêmio Náutico União (*)

Nós, associados do Grêmio Náutico União que não nos sentimos representados nem pelos abomináveis atos de parte dos presentes no evento musical da última sexta-feira na sede do clube e nem pelas infelizes declarações do presidente do clube em áudio vazado em rede social, viemos a público por meio desta carta para:

1.Pedir desculpas ao artista Seu Jorge e ao músico adolescente Pedrinho da Serrinha, pelas ofensas raciais, pela agressividade e pela deselegância com que ambos foram tratados. Gostaríamos que os artistas soubessem que a sociedade gaúcha e o quadro social do GNU não é composto na sua totalidade por pessoas fanáticas, intolerantes, racistas e ainda não educadas para o convívio em sociedade. E que aqueles e aquelas que se sentem envergonhados por esse comportamento não se calarão.

2. Pedir desculpas a todas as pessoas negras que veem nesse episódio a perpetuação da intolerância racial da sociedade brasileira que não perde oportunidade de demonstrar sua incapacidade de aceitar a presença de pessoas negras que não seja para servi-la, seja com empregados, seja como artistas com obrigação de entretê-la, seja como esportistas que trazem conquistas para o clube. Aceitar que as pessoas negras têm direito ao trânsito, à opinião, à ascensão social, à expressão até mesmo por meio do vestuário e demais itens da identidade visual parece ser um desafio ainda a ser alcançado.

Nesse sentido, repudiamos as declarações que vieram a público, ainda que sua intenção seria restringi-la à direção do clube em rede social privada, do presidente o Grêmio Náutico União, Paulo José Kolberg Bing, que demonstra preconceito com o modo de vestir do artista e ainda uma indesculpável postura de ares escravocratas que ameaça “exigir o serviço” do artista, mesmo depois de ele ter sofrido graves violências. Com o mesmo espanto denunciamos a incoerência de que ele se sinta à vontade para desqualificar e para rotular pessoas de “esquerdistas” e “desqualificadas”, como o fez em relação ao renomado jurista Lênio Streck, autor de vários livros com imensa contribuição ao campo das ciências jurídicas brasileiras e a quem também manifestamos nosso desagravo. Ao que parece, a interdição de posicionamento político serve apenas para a opinião das pessoas negras, já que ao homem branco de classe média e média alta é sempre lícito ajuizar e defender seus interesses. Apenas aos demais cabem as vedações, o que é postura lamentável, inaceitável e de pendores evidentemente racistas e anti-democráticos.

Para concluir, demandamos à administração do GNU que aproveite esse episódio para posicionar-se firmemente em relação à luta antirracista que vai além da investigação criminal e exige uma postura ativa. Sugerimos para tanto:

1. A formação de um GT com protagonismo de associados e associadas negras com a finalidade de promover ações que tornem a presença negra no clube mais frequente e mais cômoda.
2. O estabelecimento de um calendário de ações no mês da consciência negra dentro das atividades do clube. Justamente essa temática é ignorada num clube que costuma estar atento a tantas outras pautas.
3. A exclusão do quadro social de associados identificados cometendo injúria racial no episódio em tela, bem como a penalização de todas as pessoas que cometeram outros tipos de ofensa, além da racial e de intolerância política no mesmo evento.

Porto Alegre 19 de outubro de 2022.

(*) Assinam essa carta:

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