Política
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16 de junho de 2022
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12:11

Boulos: ‘Não podemos deixar Bolsonaro ditar a pauta, precisamos debater a fome’

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Boulos participou da inauguração da nova Cozinha Solidária da Azenha do MTST | Foto: Luiza Castro/Sul21
Boulos participou da inauguração da nova Cozinha Solidária da Azenha do MTST | Foto: Luiza Castro/Sul21

Ex-candidato à presidência e atualmente pré-candidato a deputado federal por São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) visitou Porto Alegre nesta quarta-feira (15). Pela manhã, ele participou da inauguração da nova sede da Cozinha Solidária da Azenha do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST-RS), entidade da qual é integrante da coordenação nacional. Já no final da tarde, esteve na Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o lançamento de seu novo livro, “Sem medo do futuro”, que reúne ensaios sobre diversas temáticas do Brasil contemporâneo, como problemas econômicos, políticos e ambientais. Entre essas etapas Boulos, conversou com jornalistas sobre o cenário eleitoral e suas impressões sobre os rumos do debate político.

Boulos avalia que a grande disputa da eleição de 2022 vai ser dar em torno de qual será a agenda política da disputa presidencial. “O Bolsonaro vai querer fazer um repeteco de 2018, ele vai querer que a gente passe esse ano inteiro, até outubro, discutindo um kit gay que nunca existiu, uma ameaça comunista imaginária, o AI-5, o Supremo Tribunal Federal. Ele vai querer botar uma pauta paralela, uma realidade paralela ao que o povo brasileiro está vivendo, como inclusive uma manobra de distração em relação aos grandes temas que afetam a maioria. Nós não podemos cair nessa cilada. Nós não podemos entrar na pauta do Bolsonaro e deixar ele ditar a agenda política eleitora. Nós precisamos debater nas eleições desse ano, incansavelmente, a fome, o desemprego, a inflação de alimentos, o preço da gasolina, o preço do bujão de gás. Essa é a agenda. Essa é a agenda da eleição, porque essa é a agenda do país, é isso que as pessoas estão sofrendo no dia a dia”, diz.

Ele destaca que o tema da fome é o “mais gritante”, porque é o limite do agravamento da situação econômica do País. Além disso, pontua que é a pauta que Bolsonaro não quer debater nas eleições.

“Sabe por quê? Porque em relação a isso o Bolsonaro não tem nada a dizer. Eles não têm proposta alguma. Ele só tem destruição, devastação, devastação de política pública. Pega um exemplo, Conab, Companhia Nacional de Abastecimento. O Conab historicamente, isso já antes do governo Lula, claro que o governo Lula aprofundou com a política de combate à fome, mas a Conab historicamente tem uma política de estoques reguladores. Então a Conab vai lá e estoca feijão, estoca arroz, estoca milho, estoca soja, em vários armazéns espalhados pelo Brasil. Aumentou o preço do feijão, seja por uma especulação no mercado de commodities, ou seja porque teve uma safra ruim. O que a Conab fazia? Pegava o feijão e botava no mercado. Qual era o resultado disso? Baixa o preço do feijão, pela oferta e procura. O Bolsonaro vendeu mais de 30 armazéns da Conab só no primeiro ano de governo. Hoje, o estoque de feijão da Conab não dá para um dia de consumo nacional. E aí nós temos uma inflação de alimento e diz que isso é pela guerra da Ucrânia. Coisa nenhuma. Inflação de alimentos é porque ele destruíram as políticas de contenção de inflação de alimentos. A mesma coisa em relação ao combustível, em relação ao botijão de gás, então nós temos que debater isso com o povo brasileiro. Nós não podemos deixar que a realidade paralela do bolsonarismo, que fica o problema do Brasil é o Supremo, é a Câmara, são os comunistas, é a ditadura gay. Se a gente vai debater os termos deles, a gente deixa de debater o que importa para o povo brasileiro. Nós queremos debater, fome, desemprego, desigualdade e inflação”, afirma.

Boulos avalia que o governo Bolsonaro tentará nos próximos meses acelerar a aprovação de medidas de sua agenda econômica, o que inclui o processo de privatizações, como ocorreu nesta semana com a venda de ações que resultou na perda do controle acionário da Eletrobras pela União. Para ele, a privatização da empresa terá resultados imediatos no bolso dos consumidores.

“A venda da Eletrobras vai gerar, em curto prazo já, aumento do preço da energia elétrica para todos os consumidores do Brasil. Isso do ponto de vista prático. Do ponto de vista mais político, a venda da Eletrobras significa a perda da soberania energética. Nenhum país que se preze abriu mão da sua soberania energética. Estamos falando de geração de energia e linhas de transmissão de energia. Inclusive, sabe quem comprou várias das linhas de transmissão, que já tinham sido vendidas antes da privatização da perda do capital majoritário da União na Eletrobras? Estatais chinesas. Como é que é isso? Você abre mão da soberania energética do País, você entrega para uma estatal de um outro país e essa é a turma que dizia ‘Brasil acima de tudo’, que usou e perverteu os símbolos nacionais para fazer o governo de lesa pátria, que é o que estão fazendo. Então, é muito grave, eu acho que a nossa luta a partir de agora vai ter que ser um grande processo de pressão para, após a derrota do Bolsonaro, a partir do ano que vem, espero que no governo Lula, promover a reestatização da Eletrobras”, diz.

 

Boulos em visita à Cozinha Solidária da Azenha | Foto: Luiza Castro/Sul21

Contudo, ele acredita que o governo Bolsonaro irá tentar realizar mais privatizações antes do final do ano. “A Eletrobras é uma, o que eles querem agora é fazer desse governo uma xepa de feira. Nos últimos seis meses, entregar tudo. Já se fala da privatização da própria Petrobras, através de vendas de ações para perder o controle majoritário. O BNDES detém 10, 12% das ações da Petrobras, que são da União. A privatização dos Correios, que também está em debate. Eles vão querer entregar tudo o que puderem entregar. A batalha nossa é chegar e dizer, ‘ô, fundo financeiro, você que vem da China, da Noruega, dos Estados Unidos é o seguinte: se comprar, não tem segurança jurídica’. Se agora entrar na xepa da feira do Bolsonaro, ano que vem vai ser revisto, isso tem que ser dito com todas as letras”.

Boulos diz que, na sua opinião, há três pautas que são prioritárias em um processo de reconstrução nacional pós-Bolsonaro. “A primeira é retomar investimento público com um grande plano de obras públicas em infraestrutura, em moradia popular, infraestrutura urbana, saneamento básico. Por quê? Porque um plano de obras públicas permite geração de emprego na veia, rápida e em massa. Nós precisamos combater o desemprego. Um país com 12 milhões de desempregados, será um país com fome. Nós temos que bater em políticas sociais, mas nós precisamos ter uma política ousada de geração de emprego e renda. Geração de emprego e renda não adianta, não vai vir só com investimento privado. Investimento privado, aliás, só vem quando tem demanda. Quem sai de crise, aqui em qualquer parte do mundo, em qualquer momento da história, é o estado com investimento público. Ele secaram investimento público, nós estamos falando em derrubar o teto de gastos. Vai ser preciso derrubar o teto de gastos para fazer um plano de investimentos”, diz.

Uma segunda prioridade seria a criação de uma política específica de combate a fome. Entre as medidas que ele propõe está o fim da isenção de ICMS para a exportação. “Passa pela reestruturação da Conab, passa por um programa de cozinha solidárias nacional, passa pela reestruturação das políticas de crédito, assistência técnica e de estímulo à comercialização dos pequenos e médios produtores, passa pelo fim da isenção de imposto para o agronegócio exportador”, diz.

Para Boulos, a isenção de impostos na exportação é um elemento chave na atual inflação de alimentos. “Sabe o porquê? Pelo seguinte, porque que tem essa contradição do Brasil ser o maior produtor de soja do mundo e o óleo de soja ser o produto que puxou a inflação de alimentos aqui? Porque você chega para o grande produtor, o Blairo Maggi lá no Mato Grosso do Sul, que produz soja, ele vai querer vender soja para o mercado interno ou vender para o mercado externo em dólar, com dólar a quatro reais e alguma coisa? É lógico que ele vai vender para o mercado externo, até porque é isento de imposto para exportação do agronegócio. Acabar com a isenção de imposto, nós temos que criar mecanismos para priorizar o mercado interno em relação à exportação. É inacreditável, se você chegar para alguém, se desce um marciano aqui, você tenta explicar para ele, ‘olha aqui no Brasil nós somos os maiores produtores de alimentos, mas o povo está passando fome’. Ele não vai entender. É uma coisa que você precisa fazer uma ginástica argumentativa para explicar para alguém. Então nós precisamos fazer essa política de combate à fome”, afirma.

A terceira prioridade elencada por Boulos seria a reestruturação de investimentos em políticas públicas. “Retomar investimento no SUS, retomar a expansão da rede de de universidades federais para ampliar mais o acesso, mais investimento na Educação Básica, retomar programa de moradia popular no país. Olha a quantidade de gente morando nas ruas nas grandes cidades. Então, eu acho que essas três prioridades, num primeiro momento, para o combate à desigualdade”, diz.


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