Opinião
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3 de julho de 2010
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12:37

Se o Estado for o inimigo, a quem vamos recorrer?

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Maria Helena Firmbach Annes, jornalista

Exemplo cabal de um regime democrático (e de vital importância para seus habitantes) é o fato de o Estado brasileiro (ou seja, o governo) reconhecer os erros cometidos por seus antecessores e pedir desculpas por isso, como ocorre nas sessões de julgamento da Comissão de Anistia.

Um Estado não pode jamais seqüestrar, torturar e matar seus cidadãos, nunca. E se o fizer (como em nosso passado recente), esses fatos têm de ser reconhecidos como um grave erro, dignos de pedido de desculpas e de reparação. Sem a devida reparação e memória  estamos sujeitos a aventureiros de plantão, tentados a fazer o mesmo.

O pedido de desculpas e a indenização beneficiam não só as famílias das vítimas, mas a todos os que aqui habitam e, em especial, as novas gerações  que não devem esquecer nunca o que aconteceu para que os erros não se repitam. Se o Estado for o inimigo a quem vamos recorrer?

Em 25 de novembro de 2003 protocolei junto à Comissão de Anistia (08802.037077/2003-62) o Requerimento de Anistia (nº 2003.01.35949) com o objetivo de buscar o que considero a justa reparação (moral em primeiro plano e financeira, se a Comissão assim definisse) para o meu pai Carlos Mader Annes. Como ele, acredito que as escolhas são produtos das nossas convicções e de uma percepção inequívoca da necessidade de igualdade social.

Mas como ele ressaltava, a militância política foi uma opção difícil de assumir para todos os que tiveram capacidade de se indignar contra a ditadura militar. Muitos perderam a vida, jovens.      Outros sobreviveram, mas as conseqüências foram dramáticas para suas vidas pessoais e profissionais.

É esse aspecto que destaco na argumentação levada à Comissão, ou seja, a punição contra Carlos Mader Annes e muitos outros, que independente de sua postura contrária à ditadura militar, foram bons profissionais e, no seu caso em particular, um excelente servidor que teve sua carreira prejudicada no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no Rio Grande do Sul (IBGE).Para quem já esqueceu ou para quem não viveu naqueles tempos sombrios, na ditadura não existiam bons profissionais, ou apoiadores ou inimigos.

Estas questões foram colocadas junto à Comissão, com farta documentação, recortes de jornais de época, além de depoimentos de ex-militantes e políticos. Passados seis anos desde o protocolo da ação e mais de 17 anos desde o  falecimento de meu pai, a reparação se tornou uma realidade, que trouxe emoção para Nercy Nair Firmbach Annes, esposa e companheira que o apoiou nas suas lutas, vitórias e derrotas e para seus cinco filhos.

Segundo o Ministério da Justiça, a 29ª Sessão de Julgamento da Caravana da Anistia, realizada na cidade de Pelotas, no dia 04 de dezembro de 2009 declarou (por unanimidade) a condição de anistiado político post mortem a Carlos Mader Annes e reparação econômica de caráter indenizatória em prestação única pela prisão sofrida em 1965 “o que perfaz 1 (um) ano de perseguição política e 30 (trinta) salários mínimos em favor de sua esposa”.

É evidente que a militância política fez parte de toda a vida dele e não apenas aquele ano fatídico, mas insisto, acima de tudo, está o reconhecimento do governo dos erros cometidos durante a ditadura militar, processo fundamental para a consolidação democrática.


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